sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Diretor de Projeto Canastra fala sobre o espetáculo, na véspera da estréia.


Diretor de Projeto Canastra fala sobre o espetáculo, na véspera da estréia

Por Leandro Rodrigues

Com menos de 24 horas para a estréia de Projeto Canastra, o diretor Diogo Spinelli fala sobre como concebeu o espetáculo, quais foram as influências e como surgiu a estrutura da peça-jogo. Conta também como os atores e demais artistas envolvidos colaboraram no processo de criação, formando Um Coletivo de Artistas Europeus, e da importância da interação com público nesta obra.

Spinelli – que, além de dirigir Projeto Canastra, encarna no palco a persona do Diretor-crupiê para conduzir o reality show – cursa o décimo semestre do curso de Bacharelado em Artes Cênicas, com habilitação em Direção Teatral, da Universidade de São Paulo (USP). Desde 2001, participou de diversas montagens teatrais e, em 2007, iniciou-se como diretor. Concorreu a vários prêmios na categoria, saindo vitorioso nos 16º Programa Nascente, da USP, e no Prêmio Especial de Pesquisa de Linguagem, do 14º Festival Nacional Curta Teatro de Sorocaba.

Confira a entrevista na íntegra:

Leandro Rodrigues: O “Projeto Canastra” é uma peça ousada, que foge dos tradicionais arquétipos teatrais. Como você concebeu esta idéia?

Diogo Spinelli: O projeto surge como um novo passo resultante da trajetória teatral que venho desenvolvendo. A questão do jogo em cena, da revelação do artifício, do aproveitamento do espaço de cena como um leque de possibilidades, da escolha, do perder ou ganhar, dos atores mesclados aos personagens e outros aspectos que, de uma forma ou outra, permearam a linguagem que comecei a constituir enquanto diretor desde a primeira peça que dirigi, “A Idade da Ameixa” (2007), voltam de forma mais radical em “Projeto Canastra”. Mas é sempre difícil falar como surge a idéia de um projeto específico, de onde e quando ele nasce, pois acho que os projetos são sempre devires, e somam-se à medida que são constituídos.

LR: Mas além desses conceitos, o espetáculo possui estética e estrutura muito particulares. Como a “peça-jogo” foi arquitetada?

DS: Justamente a estrutura foi a primeira coisa que surgiu do Projeto Canastra, antes mesmo de existir um texto ou elenco definido, pois é dessa forma que idealizo. Quando ainda concebia a peça, conversei com um dos meus professores da USP, Luiz Fernando Ramos, que gostou da idéia, mas que me aconselhou a inseri-la num jogo que servisse como base. Refleti sobre o assunto, mas não chegava a uma conclusão. Até que – se eu fosse místico, falaria em inspiração divina e essas coisas, mas eu não sou (risos) – sonhei com toda essa estrutura. Assim, acordei com ela pronta na cabeça, sem brincadeira! (risos) Não foi um sonho na qual eu a via de fato, mas já havia a ligação com o baralho muito bem desenvolvida, a disputa pelo coringa e tudo mais. Grande parte do que temos hoje já havia ali, naquela manhã, quando registrei no computador a primeira versão do projeto, e depois fui retrabalhando a questão.

LR: E qual é o desempenho do baralho no desenrolar da peça?

DS: O baralho tem a função de identificar ao público um imaginário que se desenvolve na estética da peça como um todo. Inicialmente, serviu de inspiração para a elaboração dos textos de Catarina São Martinho – que foram escritos a partir da simbologia das cartas do tarô – mas as coisas foram se ligando e tomando conta da inventividade de todos os outros artistas envolvidos, refletindo nos figurinos e nas artes gráficas. O baralho é um material muito estimulante, conhecido de todos, conectando a peça a um imaginário comum, que é uma das premissas de minha pesquisa teatral. Além disso, juntou-se também a metáfora acerca do nome: canastra é um adjetivo não muito lisonjeiro, utilizado para designar um estilo de atuação. Então, colocar isso como o título da peça e como prêmio do jogo, é na verdade uma brincadeira meta-teatral, um dos pontos chaves da obra.

LR: A peça contempla ainda outro jogo, o reality show, que como o baralho também permeia o imaginário comum devido a tamanha popularidade. Qual é a sua identificação em particular com esse gênero, antes, apenas televiso?

DS: Sempre gostei muito dos reality shows, excetuando, talvez, o Big Brother, que considero extremamente enfadonho. Mas principalmente os que envolvem talentos pessoais de certos profissionais dentro de uma competição, como o America's Next Top Model, Project Runway, Top Chef, Top Designer, O Aprendiz etc.

LR: Diferentemente dos reality shows, os “atores-jogadores” de Projeto Canastra não inscreveram-se previamente numa seleção. Como foi escolhido o elenco?

DS: No elenco, há pessoas com as quais eu já trabalhei ou convivi, que me despertaram simpatia e que, a princípio, demonstraram possuir energia cênica. São atores de diversas escolas e formações, proporcionando um conjunto de cenas mais diferenciado e individualizado. Por fim, necessariamente, são cinco homens e cinco mulheres que constituem o quadro dos atores-jogadores.

LR: E tanta diversidade não dificultou o entrosamento do elenco, que geralmente é formado por conexões anteriores?

DS: Não, no final das contas, essa reunião poderia ter dado errado, mas deu muito certo, e acabamos formando um grupo muito bacana, apesar de cada ator possuir uma linguagem cênica única dentro deste coletivo.

LR: Projeto Canastra é um processo colaborativo, em que cada artista envolvido emprestou seu olhar para o trabalho, de forma individual. Como se deu essa colaboração dos atores?

DS: Cada ator-jogador teve a tarefa de elaborar as suas dez cenas partindo de si próprio, de suas questões pessoais quanto ator, expondo seu teatro para dar “a cara à tapa”, com o seu modo particular de ver e fazer cada uma dessas cenas. Mesmo que filtradas pela minha direção, cada cena revela muito do seu ator-criador.

LR: E como esse processo se estende a toda a parte técnica, formada também por artistas de origens tão distintas?

DS: Os outros agentes colaborativos receberam a proposta de, partindo de uma estrutura dada, criar livremente para o projeto colocando-se como artista naquilo que lhe era responsável, independentemente dos demais fatores que compõe a peça. Cada parte dessa obra releva o criador desta parte, mesmo formando um material homogêneo observado no resultado. É assim com todos os profissionais: músicos, figurinista, designers, dramaturga, atores e, é claro, com a direção.

LR: O público de Projeto Canastra também é agente colaborativo da obra. Na verdade, podemos arriscar que, de todo o organismo da peça, é do espectador que parte a função de definir uma trajetória ao que é apresentado em toda a temporada. Como ocorre essa interação?

DS: Ela ocorre desde o início do espetáculo, quando os atores recepcionam o público que, desde então, passa a ter o controle da situação na mão, com as cédulas de votação. No final, os espectadores elegem, coletivamente, qual ator-jogador, juntamente com a cena por ele interpretada, deverá deixar aquela rodada. Os co-jogares do público ainda poderão fazer perguntas aos atores-jogadores, em eventuais situações específicas. De fato, esse coletivo de co-jogadores é quem decide o rumo da temporada.

LR: Pelo formato, como em qualquer reality show, o Projeto Canastra estende-se pela web, utilizando ferramentas como blog e Orkut para aproximar ainda mais os atores-jogadores do público. Em sua opinião, qual é a importância dessas ferramentas no contexto do espetáculo?

DS: Como tratamos de uma semi-realidade, ou ainda num ambiente em que realidade e ficção têm suas barreiras borradas, a web surge como possibilidade de expandir esse universo da peça no universo real, mesmo que virtualmente. Os espectadores já podem conhecer cada um dos atores-jogadores antes mesmo da peça começar, assim como também com o que exatamente está em jogo. Após o início, poderão ainda acompanhar e comentar o desenrolar da temporada, permanecendo o vínculo interativo com o elenco. Não se trata de apenas um meio de divulgação da peça, mas uma importante extensão desta.

LR: Na TV, costumamos ver como cenário dos reality shows desde belíssimas mansões a verdadeiros campos de batalha por sobrevivência. Onde se passa o Projeto Canastra?

DS: Se passa realmente no teatro. É uma peça que flerta com a realidade, assim, ela ocorre no tempo-espaço presente nos quais acontece a apresentação. Cada um dos atores possui, em cena, seu próprio camarim. Entre eles, uma "área de jogo" é delimitada, na qual acontecem as cenas e o jogo de fato.

LR: E por que vocês se auto-intitulam como “Um Coletivo de Artistas Europeus”?

DS: Porque consta num dos textos da peça, e também porque é irônico, presunçoso e despretensiosamente pretensioso, como a peça. Claramente, somos todos brasileiros e nos auto-intitulamos europeus como se isso automaticamente, e por si só, agregasse valor ou índice de vanguardismo ao nosso trabalho. A vanguarda pode estar bem mais perto do que você imagina. (Risos)

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